- 2025年3月14日
- Market: Metals
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Transcript
Olá pessoal! Sejam bem-vindos ao Falando de Mercado, uma série de podcasts semanais da Argus Media sobre os principais acontecimentos no setor de commodities e energia no Brasil e no mundo.
Eu sou Camila Fontana, chefe adjunta de redação da Argus no Brasil. No episódio de hoje eu converso com a Isabel Filgueiras, a nossa repórter da publicação Argus Metals Markets. Hoje a gente fala sobre o impacto das medidas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre a indústria siderúrgica no Brasil.
Lembrando que no início de fevereiro, Trump anunciou tarifas sobre aço e alumínio, que causaram muita apreensão nos mercados ao redor do mundo e, claro, no Brasil. Isabel, obrigada por estar aqui com a gente hoje. Antes de avançar a nossa conversa, em que contexto chegam essas medidas?
IF: Oi Camila, obrigada pelo convite. Bom, você já lembrou aí, mas eu vou recapitular um pouquinho. Lá no dia 9 de fevereiro, Trump anunciou uma tarifa de 25pc sobre o aço e o alumínio importados de todos os países, sem exceção. Essa tarifa inclui todos os tipos de aço, inclusive alguns que lá atrás, no primeiro mandato dele, a gente conseguiu que houvesse exclusão, lá em 2018, 2019.
O que ocorre é que assim, ano após ano, o Brasil tem estado entre os três maiores fornecedores de aço para os Estados Unidos. Os dois países têm uma relação comercial muito forte.
Em 2024, por exemplo, o Brasil foi o segundo maior exportador de aço para os Estados Unidos. Só perdeu para o Canadá, Camila.
CF: Ou seja, haverá um impacto significativo no mercado de aço no Brasil.
IF: A gente pode dizer que sim, porque os Estados Unidos são um mercado crucial para o Brasil. O principal destino do aço brasileiro é os Estados Unidos.
Os Estados Unidos representam mais da metade das nossas exportações de aço e a imposição de uma tarifa de 25pc sobre esse aço com certeza deve trazer prejuízos, mas não só para o Brasil. Eu diria que para os dois lados.
Se os Estados Unidos deixassem de comprar o nosso aço, o mercado brasileiro estaria em uma situação difícil. Eu realmente não acredito que o Brasil conseguiria preencher completamente essa lacuna deixada pelos Estados Unidos.
Talvez uma parte dessas exportações pudesse ser redirecionada para outros parceiros comerciais. Mas eu não creio que tudo, absolutamente tudo que a gente exporta para os Estados Unidos poderia ser absorvido por outros países. O mais provável é que haja uma queda de produção no nosso aço. Enfim, perda de emprego, algumas demissões. E o impacto negativo também para a nossa economia, porque a gente sabe que a siderurgia tem um impacto no nosso PIB.
O que também pode ocorrer é que os produtos brasileiros podem ter um preço reduzido para continuarem competitivos para o mercado americano. Seria uma maneira de compensar esse custo a mais que vem com as tarifas.
CF: Do lado brasileiro, não seria bom, está claro. E o mercado norte-americano sairia ileso?
IF: Não é bem assim, Camila. Em 2024, o Brasil foi o segundo maior fornecedor de aço para os Estados Unidos e o principal produto que a gente vendeu para eles foram as placas semi-acabadas.
Para você ter ideia, 60pc das placas importadas pelos Estados Unidos vieram do Brasil. É claro que os Estados Unidos compram outros produtos siderúrgicos — bobinas laminadas a quente, frio, enfim, revestidos, eles compram de outros países. Mas as placas vêm sobretudo aqui do Brasil.
A placa é um produto semi-acabado de aço plano. Para simplificar, é uma mistura entre carvão e ferro. É a partir dessa produção, que geralmente ocorre no alto-forno, que sai a placa de aço. Ela vem bastante grossa e pronta para passar pelo processo de laminação. E essa placa semi- acabada é o principal ingrediente para fazer outros produtos. Então, a partir dessa placa brasileira, as usinas americanas fazem materiais mais refinados que vão alimentar indústrias como linha branca, automotivo, maquinário, autopeças, entre outras.
É por isso que é provável que essa importação vá continuar, mas que tenha um custo maior para os importadores lá dos Estados Unidos. Claro que também a gente pode ver uma redução no volume da compra desse produto por esses importadores, mas eu não acho que esse comércio vai parar por conta das tarifas.
CF: Será que os Estados Unidos poderiam de alguma forma contornar essa situação e dispensar o Brasil como fornecedor de placas?
IF: Camila, essa é uma pergunta difícil de responder, até porque essas medidas protecionistas se aplicam ao aço que vem de todos os países. Então, mesmo que o Brasil saísse desse quadro, outros países também enfrentariam essa tarifa sobre o aço deles. E a gente sabe que Brasil e Estados Unidos têm uma proximidade geográfica. Existe uma rota de comércio de placas já muito bem estabelecida entre os dois países.
E, só para lembrar os Estados Unidos, não é que eles não produzam essas placas, eles só produzem uma quantidade muito baixa para o que eles precisam. Normalmente, quem produz essa placa lá fora já usa esse material dentro de usinas integradas de laminação. Então, o que quero dizer é que essa demanda lá nos Estados Unidos é muito maior do que o que eles conseguem produzir.
Isso também traz uma certa esperança para siderúrgicas brasileiras de que os dois países vão conseguir chegar a um acordo, como aconteceu no ano passado. A gente viu isso antes.
CF: O Brasil já passou por isso?
IF: Exato. O Brasil passou por isso na época do primeiro mandato do Donald Trump, lá em meados de 2018, ele impôs tarifas similares a essas que a gente está vendo.
Na época muita gente entendeu que foi mais uma tática de negociação, porque depois de um ano, vários países se aproximaram, negociaram, inclusive o Brasil, e alguns deles foram isentos das tarifas e outros, como é o nosso caso, passaram por um regime de cotas. Em 2019, o governo americano designou ao Brasil uma cota isenta de tarifas, totalizando 3,5 milhões de toneladas anuais de aço semi-acabado.
Entra aí as placas, mas também entram lingotes e outros tipos de aço, que são aços longos. No ano passado, o Brasil exportou 3,4 milhões de toneladas, portanto chegou perto dessa cota do semi-acabado. Mas parou por aí. Não chegou a ir além, não chegou a pagar essa sobretaxação.
Só que desta vez tem uma diferença muito importante do que a gente viu lá atrás. A Casa Branca já avisou que não haverá regime de cotas e descartou negociações oficiais e exclusões de países como a gente na vez passada aqui para o Brasil.
O que a gente sabe é que algumas fabricantes de aço lá dos Estados Unidos já pediram exclusões tarifárias, citando a necessidade que elas têm de ter essas placas e talvez elas consigam realmente essas ações.
CF: E como as siderúrgicas aqui no Brasil reagiram ao anúncio das tarifas?
IF: Os produtores esperaram um pouco até a notícia realmente ficar mais fortalecida. E aí, quando se manifestou o Instituto Aço Brasil, que é a entidade de classe do setor dos nossos produtores de aço, ele afirmou que estava surpreso com esse plano de novas tarifas e, principalmente, com a falta de exceções.
Inclusive isso foi uma coisa que a entidade também tinha mencionado lá atrás. Então, o Aço Brasil parece bem confiante de que pode haver negociações, que as partes vão conseguir chegar a um acordo parecido àquele que a gente viu em 2019. Até porque eles lembram que esse arranjo de cotas foi benéfico para os dois lados.
O que acontece é que a gente não tem certeza de que isso vai realmente acontecer. A expectativa deles é essa, mas a gente precisa esperar para ver, Camila.
CF: E para além das placas, deve haver impacto em outros produtos? Por exemplo, o que a gente deve esperar para o mercado de bobinas laminadas a quente?
Camila, isso vai depender de quanto as tarifas vão impactar as usinas chinesas. Por que eu falo das usinas chinesas? Porque para esse tipo de material — bobinas laminadas a quente, a frio, outros revestidos também — esse material, muito do que a gente comercializa aqui no Brasil vem justamente lá da China.
Vou te dar um exemplo. Se as usinas chinesas enfrentarem dificuldades para exportar esse produto, porque elas não vão ter mercado, elas podem inundar o mercado brasileiro aqui com preços mais baixos, mais competitivos, digamos assim. Isso acaba reduzindo os preços de importação das bobinas laminadas a quente.
Se esse cenário se concretizar, as usinas aqui no Brasil talvez não consigam manter os preços que vêm praticando, muito menos vão conseguir subir esses preços como elas queriam fazer no começo deste ano.
Por outro lado, as siderúrgicas brasileiras estão pressionando o governo lá em Brasília para tomar providências contra esse aço chinês.
CF: E o que a gente pode esperar nesse sentido?
IF: Alguns produtores foram muito firmes. Eles já disseram que, para eles, um bom caminho seria o de eliminar as cotas. A gente tem um sistema de cotas que está em vigor desde o ano passado.
E o que eles queriam aqui, mais ou menos, que o Brasil seguisse o exemplo dos Estados Unidos, eliminando essas cotas, porque essas cotas valem para alguns tipos de produtos. E o que eles argumentam é que as tarifas precisam valer para todas as variedades de aço.
Além disso, também estão em curso investigações antidumping em alguns produtos específicos, como bobinas laminadas a frio. E a expectativa dos produtores é que essas investigações tenham um desfecho positivo para eles, deixando esse aço que entra aqui no Brasil importado um pouco mais caro, Camila.
CF: Muito obrigada por estar aqui conosco, Isabel. Obrigada a você que nos acompanhou até aqui. A gente sem dúvida vai ter mais novidades sobre o mercado global de aço.
Lembrando que este e os demais episódios do nosso podcast em português estão disponíveis no nosso site argusmedia.com. Visite a página para seguir acompanhando os acontecimentos que movem os mercados globais de commodities e entender seus impactos no Brasil e na América Latina.
Em breve a gente volta com mais uma edição do Falando de Mercado. Até a próxima!
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