Falando de Mercado: O potencial do mercado de bio-bunk

A mistura de biodiesel no combustível marítimo pode ajudar empresas na agenda de reduzir a pegada de carbono do transporte, abrindo uma demanda potencial para o biocombustível em um mercado de 4 milhões de toneladas de bunker consumidas anualmente no Brasil.

Junte-se a Amance Boutin, editor da publicação Argus Brasil Combustíveis, e Conrado Mazzoni, chefe adjunto de redação da Argus no Brasil, em uma conversa sobre detalhes dessa mistura voluntária, recentemente autorizada pela ANP, inclusive em termos de preços.

Ouça agora

Transcript

[Conrado Mazzoni] Olá, e bem-vindos ao Falando de Mercado, uma série de podcasts trazidos semanalmente pela Argus sobre os principais acontecimentos com impacto para os setores de commodities e energia no Brasil e no mundo. Meu nome é Conrado Mazzoni, eu sou chefe adjunto de redação da Argus no Brasil, e no episódio de hoje eu converso com Amance Boutin, editor de combustíveis para o mercado brasileiro, sobre a mistura de biodiesel no combustível marítimo, também conhecido como bunker.

[Amance] Obrigado, Conrado.

[Conrado] Amance, pode nos contar um pouco mais sobre esta liberação do uso de biodiesel no bunker? É algo que o mercado já esperava?

[Amance] Conrado, estava no radar dos participantes de mercado pois havia interesse dentro do setor de comercialização de bunker e também do lado da Petrobras em avançar com a inclusão de biodiesel no combustível marítimo. A Petrobras, como fornecedora de bunker, foi a primeira a conseguir a autorização de misturar até 24pc de biodiesel no combustível no mês passado. A autorização foi dada pela ANP, agência que regula o setor de combustíveis, e a gente espera que outras empresas consigam esta liberação em breve. A Bunker One, com quem a gente conversou em 2022, estava também pleiteando a inclusão de biodiesel em até 7pc. Vale ressaltar que se trata de uma mistura voluntária, ou seja, nenhuma empresa é obrigada a usar bunker com 24pc de conteúdo de renovável.

[Conrado] Então, se é voluntário, qual seria o público-alvo?

[Amance] Ainda não temos nomes dos potenciais clientes, mas pelo que escutamos o produto pode gerar interesse em grandes multinacionais com metas elevadas nas melhores práticas de governança, sociedade e meio ambiente, conforme a sigla ESG. Existe um grande potencial entre as empresas brasileiras que exportam commodities, como mineradoras, empresas de petróleo e empresas de papel e celulose, pois elas têm firmado este tipo de compromisso nas pautas ESG. Para te dar um exemplo, a Vale tem como objetivo reduzir suas emissões de CO2 em 33pc até 2030 e zerá-las até 2050. Para atingir o primeiro objetivo, a empresa investirá entre $4 bilhões e $6 bilhões. Neste sentido, o novo bio-bunker pode ajudar, uma vez que a mistura permite uma redução de até 19pc das emissões de gases de efeito estufa, segunda a ANP. A gente pode imaginar que até a própria Petrobras possa querer usar a mistura nas suas embarcações para reduzir a pegada de carbono do transporte do petróleo e seus derivados.

[Conrado] Entendi. Em termos de preço, a diferença chega a ser grande?

[Amance] Não temos nenhuma informação sobre a precificação da Petrobras, mas podemos fazer alguma projeção, já que a Argus acompanha tanto o preço do bunker no mercado spot quanto o valor do biodiesel no mercado brasileiro. Bom, na sexta-feira passada, o valor do bunker com 500ppm de enxofre em Santos fechou em $606/t na média, o que corresponde a R$3.400/m³. Em comparação, o custo do biodiesel vendido a partir das usinas do estado do Rio Grande do Sul ficou em R$4.852/m³ na semana passada. Se a gente for considerar um frete médio de R$280/m³ entre estas usinas e o porto, chegamos a um preço de produto entregue no porto a R$5.132/m³. Neste nível de preço, um produto com 24pc de conteúdo renovável deve ter um preço 12pc maior em relação ao produto com conteúdo de origem 100pc fóssil.

[Conrado] Pois é, faz alguma diferença. A gente já tem uma ideia do tamanho deste mercado?

[Amance] Não temos dados públicos, pois os dados oficiais da ANP de óleos combustíveis agregam juntos outros combustíveis parecidos, tais como o óleo combustível usado em termoelétricas ou em processos industriais. Mas conversamos com a Associação Brasileira de Bunker, a Abrabunker, justamente para ter esta sensibilidade. Eles estimam que o Brasil consome 4 milhões de t de bunker por ano. Considerando a mistura de 24pc de biodiesel, isso representa um mercado potencial que pode chegar a 980.000m³. Por se tratar de um programa voluntário, o consumo efetivo deve ser uma fração disso, mas esse número dá uma noção de quanto isso pode abrir de mercado para os produtores de biocombustíveis. A título de comparação, no ano passado, o Brasil consumiu 6,5 milhões de m³ de biodiesel para atender o mandato oficial de mistura no óleo diesel rodoviário, que foi para 14pc em março.

[Conrado] Este tipo de mistura de bio-bunker já existe fora do Brasil?

[Amance] Existe. É um produto bastante usado em Cingapura, que é o maior mercado global de combustíveis marítimos. A mistura no bunker tem ajudado a mitigar a queda de espaço do biodiesel em alguns países, onde o produto tem sido trocado por diesel renovável, como o HVO. De acordo com a autoridade portuária de Cingapura, o consumo de B24 representou 90pc das 54.000 t de bunker vendido com algum conteúdo renovável em maio deste ano. Isso representa um crescimento de 55pc na comparação com o mesmo mês em 2023.

[Conrado] Vamos acompanhar então para ver como este mercado se desenvolve. Obrigado Amance pela participação! Esse e os demais episódios do nosso podcast em português estão disponíveis no site da Argus em www.argusmedia.com/falando-de-mercado. Visite a página para seguir acompanhando os acontecimentos que pautam os mercados globais de commodities e entender seus desdobramentos no Brasil e na América Latina. Voltaremos em breve com mais uma edição do “Falando de Mercado”. Até logo!