CD: Olá e bem-vindos ao ‘Falando de Mercado’ – uma série de podcasts trazidos semanalmente pela Argus sobre os principais acontecimentos com impacto para os setores de commodities e energia no Brasil e no mundo. Meu nome é Camila Dias, eu sou diretora da Argus no Brasil. No episódio de hoje eu converso com Rebecca Gompertz, repórter da publicação Argus Gas Markets. Hoje vamos conversar sobre o chamado “tarifaço” na malha de transporte de gás da NTS, que conecta os estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro aos fornecedores de gás natural.
Bem-vinda, Rebecca.
RG: Obrigada, Camila. Estou sempre aqui para falarmos sobre gás natural. A gente acompanha esse mercado bem de perto, produzindo um preço calculado diário para cada uma das malhas de transporte e análises, publicados no relatório Argus Gas Markets.
CD: Excelente, Rebecca. Queria começar te ouvindo sobre essa história de “tarifaço”. O que exatamente está acontecendo com as tarifas de transporte na malha da NTS?
RG: Camila, é importante darmos um passo para trás para explicar rapidamente como funciona o pagamento pelo serviço de transporte de gás natural no Brasil hoje e porquê essa discussão surgiu agora, no meio do ano. Anualmente, as transportadoras de gás natural enviam suas propostas tarifárias à Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, a ANP, que as submete então a um processo de consulta pública. Nesses documentos, existe a explicação do cálculo tarifário, que leva em conta a capacidade de transporte dos gasodutos, a quantidade que costuma ser reservada nos pontos de entrada e saída, os investimentos realizados, entre outros fatores. Essas tarifas remuneram o investimento e gastos das transportadoras, mas não geram lucro para as empresas, apenas garantem que elas possam continuar operando e expandindo suas malhas.
No final do ano passado, TAG e TBG submeteram e tiveram as suas propostas aprovadas. Já a NTS, teve sua proposta negada pela ANP após análise técnica. A nova proposta da NTS, válida para 2024, só foi aprovada no final de abril e implementada a partir de junho.
Quando a proposta ainda estava no papel, foram considerados como referência os valores de movimentação de gás natural dos últimos dois anos. Mas quando a NTS abriu uma chamada pública para fechar os contratos de reserva de capacidade com o novo modelo tarifário, houve uma redução na quantidade de gás reservada. Com isso, as tarifas tiveram que ser recalculadas de acordo com o modelo aprovado, e houve uma elevação inesperada no preço das tarifas de entrada e saída.
Só que é importante lembrar que nem todos os agentes estão sujeitos a essa alteração nas tarifas. A Petrobras tem cinco contratos legados válidos na malha da NTS – isso é, cinco contratos firmados antes da Nova Lei do Gás, que garantem que a Petrobras continue pagando o preço que foi acordado originalmente, lá atrás, pelo uso das estruturas de transporte.
CD: Realmente esse aumento deve ter sido uma grande surpresa para o mercado. O que levou a essa redução na reserva de capacidade, Rebecca? Existe menos produção ou demanda de gás na região?
RG: Camila, segundo participantes de mercado, não houve qualquer alteração desse tipo no balanço de oferta e demanda. O que eles apontam é que a Petrobras reduziu a sua reserva de capacidade nos pontos de Tecab e Caraguatatuba. Como a Petrobras está assegurada pelos contratos legados de transporte, mesmo que venha a usar mais capacidade nesses pontos, ela não estará sujeita à custos mais altos.
O motivo para essa redução não foi divulgado publicamente. Quando questionada, a Petrobras afirma apenas que disponibilizou todas as suas informações sobre a necessidade de reserva de capacidade no gasoduto da NTS para a ANP – que é a responsável por estabelecer os critérios adotados como premissa dos cálculos tarifários, inclusive no que é tocante às reservas de capacidade.
Conversando com o mercado, o que a gente escuta é que um dos possíveis motivos para essa redução de volume da Petrobras é a falta de garantias mais concretas em relação à especificação do gás da Rota 3 na UTGCA. O gás da Rota 3 é um gás com mais líquidos, e por isso, menor conteúdo de metano. A ANP já concedeu uma autorização especial e temporária que flexibiliza os teores mínimos de metano na UTGCA, mas sem uma autorização mais definitiva, a Petrobras optou por contratar a entrada que pode garantir que conseguirá injetar. Os críticos veem nesse movimento uma forma de pressionar a decisão da ANP sobre o assunto, enquanto outros enxergam isso como pura medida defensiva da empresa.
CD: Pelo jeito, é um assunto que envolve bastante negociação de interesses entre várias partes, Rebecca. O quanto isso afeta os outros participantes de mercado, além da Petrobras? Vamos ver um aumento imediato nos preços do gás natural, por exemplo?
RG: Então, Camila, a gente consegue ver que os efeitos desse aumento na verdade não afetam tão profundamente vários contratos que já estão firmados. No mercado regulado, a Petrobras domina o fornecimento de gás na região da malha da NTS, com 81pc do volume total comprado pelas distribuidoras em 2024. Os outros 19pc estão distribuídos entre Galp, Shell e Equinor. Entretanto, muitos desses contratos já alocavam pelo menos parte do risco de aumentos na tarifa de transporte para o fornecedor e determinavam uma parcela fixa, acima dos valores praticados, para compor o pagamento pelo transporte da molécula.
A preocupação é que esse aumento de tarifas vá inibir o crescimento do mercado livre na região. Da forma como as tarifas estão postas neste momento, houve um crescimento no custo para comprar gás de outros supridores, enquanto a Petrobras pode manter seus preços nos mesmos patamares. Por isso, grupos que representam os consumidores têm se manifestado contra as tarifas homologadas pela ANP e pedido uma revisão do processo.
CD: E a ANP já sinalizou se vai ceder a essa pressão, Rebecca? Como a agência pode reagir a essa pressão?
RG: Quando questionada, a ANP respondeu que está ciente do assunto e está analisando as razões apresentadas para a elevação da tarifa. A Agência avalia se há espaço para reversão ou mitigação dos efeitos observados sobre as tarifas divulgadas pela transportadora.
Para muitos participantes de mercado, esse foi só mais um episódio de um problema já antigo de falta de transparência da Agência. Resta esperarmos para saber se alguma medida vai ser tomada.
CM: Vamos acompanhar de perto este e outros movimentos do mercado de gás natural, então fique ligado e acompanhe nosso conteúdo. Rebecca, muito obrigada pela sua participação.
Esse e os demais episódios do nosso podcast em português estão disponíveis no site da Argus em www.argusmedia.com/falando-de-mercado.
Visite a página para seguir acompanhando os acontecimentos que pautam os mercados globais de commodities e entender seus desdobramentos no Brasil e na América Latina. Voltaremos em breve com mais uma edição do “Falando de Mercado”. Até logo!