• 8 de novembro de 2024
  • Market: Metals
A descarbonização do aço é um tema cada vez mais em voga no mercado. Mas restam ainda muitos desafios, desde o uso de matéria-prima até a demanda final. 

Para falar sobre este tema, a repórter de metais da Argus, Carolina Pulice, conversou com Rodrigo Damasceno, diretor comercial da siderúrgica Aperam, que tem se destacado nos mercados brasileiro e mundial pelos seus esforços para atingir a descarbonização de seus produtos. Confira!
 

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Transcript

Carolina Pulice: Olá e bem-vindos ao ‘Falando de Mercado’, uma série de podcasts trazidos semanalmente pela Argus sobre os principais acontecimentos com impacto para os setores de commodities e energia no Brasil e no mundo. Meu nome é Carolina Pulice, eu sou repórter de metais da Argus no Brasil.

No episódio de hoje eu converso com Rodrigo Damasceno, diretor comercial da siderúrgica Aperam.

A Aperam South America é produtora integrada de aços planos inoxidáveis, elétricos e carbono. Sua planta industrial, localizada em Timóteo, em Minas Gerais, tem capacidade produtiva total de 900.000 toneladas de aço líquido por ano. A empresa utiliza apenas carvão vegetal em seus altos-fornos, produzido por sua unidade no Vale do Jequitinhonha, a Aperam BioEnergia.>

Seja muito bem-vindo, Rodrigo.

Rodrigo Damasceno: Prazer Carol, muito obrigado pelo convite!

CP: Queria começar te perguntando sobre descarbonização do setor siderúrgico: muito se fala sobre a falta de demanda para o aço verde, em parte por conta do seu alto custo de produção e valor no mercado. Como vocês veem o mercado atualmente neste tema? Há apetite para um aço mais verde?

R: Carol, há apetite sim. Aqui no Brasil a gente ainda está no começo desta jornada, a gente pode dizer. Mas a gente já vê empresas industriais produtoras de bens de consumo duráveis ou não duráveis manifestando publicamente que tem metas de descarbonização, que se comprometem com o protocolo do Acordo de Paris. E tudo isso resulta em demanda por aço com menos pegada de carbono. As empresas e os clientes do setor têm se movimentado para buscar este tipo de entendimento com as siderúrgicas. Também há medidas que podem ser adotadas aqui no nosso país que possam acelerar essa demanda.

Três micro medidas que a gente pode citar: primeira, a própria conscientização da sociedade. Gosto de fazer um paralelo com a questão dos alimentos orgânicos. Quando começou também era super incipiente, a gente não tinha muita consciência ou valor de que uma verdura, um alimento orgânico era algo diferenciado, que poderia impactar nossa vida de uma maneira muito positiva. E foi-se trabalhando o tema, e esta demanda foi aparecendo e hoje naturalmente já tem uma preferência por este tipo de alimento. Com o aço vai ser igual.

É preciso engajamento da sociedade, das empresas produtoras de aço, das empresas que vão utilizar este aço, do governo, da sociedade civil como um todo para pôr isso em discussão.

Uma segunda medida importante é haver um próprio consenso do que é o aço verde. A World Steel Association tem um conceito, a Agência Internacional de Energia tem outro conceito. O Responsible Steel, que é uma entidade que atua neste meio, tem outro. O entendimento do que seria uma etiqueta de aço verde seria benéfico para os consumidores entenderem e poderem demandar.

Uma terceira medida, de mais curto prazo e também super importante, é o Brasil seguir um movimento que está acontecendo e sendo puxado pela União Europeia de exigir que este conteúdo de carbono seja divulgado e seja taxado.

Empresas que tenham conteúdo de carbono maior no aço ou em outros produtos que estão no mecanismo de ajuste da fronteira vão pagar mais por isso e vai ficar muito claro quanto é e isso ajuda o mercado a fazer escolhas. É um bom exemplo para o Brasil, que está agora caminhando com a regulamentação do mercado de carbono. E um próximo passo importante é fazer o mecanismo de ajuste na fronteira para que possa, de fato, dar transparência a este tema e impulsionar a demanda por aço mais verde.

CP: Quais são os recursos que podem ser usados pelas siderúrgicas para reduzir emissões de CO2?

R: O nosso exemplo é um bom exemplo. Uma siderúrgica que usa biomassa, o carvão vegetal já é um primeiro passo. Obviamente, não há solução definitiva para este tipo de assunto. Não existe uma bala de prata, uma coisa só a ser feita. Existem combinações de muitos eixos de atuação que podem fazer isso. Biomassa é um; a produção de aço a partir de sucata talvez seja o mais eficiente. Sucata certamente vai trazer um benefício para a pegada de carbono final do produto a ser produzido. Produzir aço a partir de matérias-primas mais amigas do meio ambiente, como o uso do hidrogênio verde nos processos de redução, é uma outra questão também importante. De fato, há tecnologias já que estão disponíveis.

São tecnologias que ainda não são utilizadas em larga escala, mas que rapidamente serão. Que vão acelerar essa produção e esta disponibilização do aço verde, e muitas outras que ainda estão em pesquisa, ainda estão em fase piloto pelas siderúrgicas que podem também entrar nessa jogada e fazer parte deste conjunto de medidas.

CP: Como a Aperam tem se posicionado no processo de descarbonização do aço no Brasil?

R: O principal é o fato de a gente utilizar 100% do combustível redutor lá dos nossos dois alto-fornos em Timóteo e o carvão vegetal. É sem dúvida a grande ação. Mas a gente também produz uma parcela do aço inoxidável que a gente disponibiliza ao mercado a partir de sucata. Também coletamos sucata, temos uma rede coletora para poder fazer isso.

A questão do carvão vegetal é muito importante porque é a nossa filosofia. O aço verde é nossa filosofia e de como a gente produz. A gente não pode ser entendido só como uma empresa produtora de aço, mas a gente está lá desde o começo, desde a atividade na floresta, de ter a floresta própria de eucalipto que é pensada, dimensionada e tratada para poder fazer o abastecimento da usina siderúrgica.

CP: Adquirir sucata no Brasil é um desafio? Se sim, como solucioná-lo?

R: É um desafio sim. Para a gente ter em mente, 70% do aço que é produzido no mundo é feito a partir do processo convencional, da redução do minério de ferro. Só 30%, então, é feito a partir do derretimento da sucata, do reaproveitamento. Mas, em contrapartida, uma boa informação é que 85% da sucata existente no mundo já é reciclada e já é usada para poder fazer aço. Uma outra medida é que o aço é reciclado infinitas vezes. Esse é um componente muito positivo. Mas dada a desproporção do tamanho da produção que é feita a partir da redução do minério de ferro, dá para a gente entender que não vai ter sucata suficiente para converter toda a produção mundial para ser utilizada a sucata.

A sucata é um pilar importante. Sucata de qualidade mais ainda, não é toda sucata que pode ser aproveitada. Isso cada siderúrgica tem sua realidade, tem seu portfólio de produtos e suas combinações de sucata ideais para o rendimento da planta.

Sem dúvida nenhuma é algo primordial fazer cada vez mais aço a partir de sucata.

CP: O Brasil tem aumentado a cada ano suas importações de aço, que são majoritariamente da China. A China, porém, ainda emite muitos gases de efeito estufa em sua produção. Se fala, portanto, de uma “importação de carbono”. Na sua opinião, o que pode ser feito para mitigar essa “importação” de CO2?

R: Pois é, esse é um ponto importante. A China já começa com uma competição muito desleal, porque é um país que tem uma filosofia de subsídios importantíssimos na indústria do aço. Competição desleal no mundo inteiro. Além disso, a China majoritariamente produz usando a rota a partir do minério de ferro e da energia a partir do carvão mineral. A pegada de carbono de produtos siderúrgicos chineses comparado conosco que somos uma referência de produção mais responsável, limpa, com baixa pegada de carbono, talvez seja 4, 5 vezes a nossa. De fato, para o nosso caso aqui, a importação de produtos chineses vai no sentido contrário ao objetivo de longo prazo da sociedade que quer descarbonizar.

Qual é a medida mais efetiva para isso desde um primeiro momento? É justamente a adoção deste mecanismo de ajuste de carbono na fronteira. É isso que vai dar uma transparência grande do quanto de carbono está sendo importado por meio do produto chinês, da Indonésia, do Vietnã, Índia, desses locais que tem primordialmente esta rota a partir da transformação da redução do minério do ferro e do uso intensivo de energia gerada a partir de combustíveis fósseis.

CP: Muito obrigada pela conversa, Rodrigo.

R: Um prazer, estamos à disposição

CP: Este e os demais episódios do nosso podcast em português estão disponíveis no site da Argus em http://www.argusmedia.com/falando traço de traço mercado. Visite a página para acompanhar os acontecimentos que pautam os mercados globais de commodities e entender seus desdobramentos no Brasil e na América Latina.

Voltaremos em breve com mais uma edição do Falando de Mercado. Até logo!