Falando de Mercado: O impacto da reforma tributária nas commodities

A reforma tributária terá grande impacto nos mercados de petróleo, gás, minérios e combustíveis. Após a aprovação do primeiro projeto de regulamentação da pauta na Câmara, o texto segue agora para o Senado.

Junte-se a Rebecca Gompertz, repórter da publicação Argus Brazil Gas Markets, e Diogo Martins Teixeira, sócio no escritório de advocacia Machado Meyer e especialista em tributação, e saiba mais sobre o projeto aprovado e quais mudanças ainda estão em discussão no Senado.

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Transcript

RG: Olá e bem-vindos ao ‘Falando de Mercado’ – uma série de podcasts trazidos semanalmente pela Argus sobre os principais acontecimentos com impacto para os setores de commodities e energia no Brasil e no mundo. Meu nome é Rebecca Gompertz, eu sou repórter da publicação Argus Brazil Gas Markets. No episódio de hoje eu converso com Diogo Martins Teixeira, sócio no escritório de advocacia Machado Meyer e especialista em tributação. Hoje falaremos sobre um assunto crucial para os mercados de commodities no Brasil: a reforma tributária. Bem-vindo, Diogo.

DMT: Oi, Rebecca, um prazer estar contigo com a Argos e um prazer falar sobre esse assunto aqui tão fervilhante, tão recente, que está em todos os jornais e que vai afetar bastante não só o mercado de gás natural e óleo, mas também todo o combustível e todo o mercado brasileiro.

RG: Diogo, no momento em que estamos gravando, o texto-base do Projeto de Lei Complementar 68, que regulamenta parte da reforma tributária, foi recém aprovado na Câmara e aguarda agora votação no Senado. Queria te ouvir falar um pouco sobre como está o texto para alguns dos setores que acompanhamos aqui na Argus. Sabemos que um dos assuntos mais espinhosos na reforma é a criação do Imposto Seletivo, que desincentiva atividades socialmente reprováveis. Pode explicar um pouco para a gente como ele vai incidir nos setores de petróleo, gás e mineração?

DMT: Claro, Rebecca, um prazer. Bom, no contexto da reforma, além de consolidar uma série de tributos que existem hoje no que se chama de IVA dual (Imposto sobre Valor Agregado dual), que é o IBS, a CBS, e também a criação do Imposto Seletivo, que será um tributo federal, que pode incidir sobre bens e serviços que causem prejuízo à saúde humana ou ao meio ambiente. Então o Imposto Seletivo tem até um apelido que a mídia usa bastante: imposto do pecado. Porque ele é um tributo que ele visa, em princípio, mais do que arrecadar tributo e recursos, mas também coibir condutas que possam vir a gerar prejuízos, enfim, à saúde ou ao meio ambiente. Então quando se pensa em Imposto Seletivo, já se pensa automaticamente em bebidas alcoólicas, tabaco, esses tipos de bens que são muito clássicos, muito naturais de se demonstrar um dano à saúde. Agora, quando a Emenda Constitucional 132 estava tramitando no Congresso, mais precisamente no Senado Federal, foi incluído no texto da Emenda Constitucional -- hoje é Emenda Constitucional, mas na época era uma proposta, -- a possibilidade de tributar os bens minerais no Imposto Seletivo. Isso foi uma surpresa para o mercado, algo que não faz nenhum sentido. A ideia, de acordo com a justificativa apresentada pelo senador Eduardo Braga no Senado, foi de que a atividade de mineração ou de produção e exploração de petróleo e gás, geram danos ambientais, e por gerar danos ambientais, deveria estar incluso, incidente, no Imposto Seletivo. E inovou mais ainda: não só incluiu os bens minerais na hipótese de incidência do Imposto Seletivo, como também indicou a possibilidade da sua incidência na exportação, enquanto que a regra geral do Imposto Seletivo desonera esse tributo na exportação, mesmo dos bens do pecado. Mesmo os “produtos do pecado” não incidem na exportação. Mas foi criada uma regra específica para petróleo, gás e minérios, incidindo também na exportação, que também é bastante questionável. Então, o que se tem hoje é que a emenda constitucional previu a possibilidade de incidir uma alíquota máxima de 1pc nessas atividades. Estamos agora no processo de regulamentação da Emenda Constitucional, mais precisamente aqui o projeto de lei complementar nº 68, e teve bastante discussão no Congresso sobre, de fato, a incidência do Imposto Seletivo sobre essas atividades, porque são atividades que já sofrem uma carga tributária bastante significativa e são mais tributadas do que outros bens em geral. Quando se pensa no contexto, de conjunto de tributos, essa atividade, essa característica de extração, de exploração, já é capturada por outras participações governamentais, como royalties e participações especiais. Então, a imposição do Imposto Seletivo aqui é uma redundância e traz bastante risco na própria viabilidade econômica desses projetos. Quando se pensa que o Imposto Seletivo, por acepção, ele buscaria coibir condutas. É algo totalmente incompatível com petróleo, gás e minérios, porque não tem como você coibir o consumo de bens essenciais, como o petróleo, o gás e os minérios. Sendo bens de produção, ou seja, bens utilizados no processo produtivo de tantos outros bens e serviços necessários, imprescindíveis à sociedade, a incidência do Imposto Seletivo, no final das contas, acaba onerando absolutamente todas as indústrias, todos os bens, todos os serviços, dado que a característica do Imposto Seletivo é de incidir uma única vez e nunca ser recuperável na cadeia por nenhum agente. Então o Imposto Seletivo para o petróleo, gás e para mineração é algo que, numa perspectiva econômica, jurídica, política, estratégica, não faz sentido. Tivemos algum avanço na votação do Projeto de Lei Complementar 68, ao se reduzir a alíquota máxima de 1pc para 0,25pc, mas ainda assim não é algo que deveria existir. Eu acho que essas são as principais características do Imposto Seletivo. Foi introduzido, desde a primeira versão do Projeto de Lei Complementar 68, a possibilidade da redução a zero do Imposto Seletivo nas operações com gás natural, quando é destinado para a utilização como em processo natural. No final das contas essa disposição acaba não aliviando muito bem, porque dá a entender, pela redação posta, que deveria ser uma operação direta entre o extrator e a indústria, e isso é incompatível com a cadeia de valor do gás natural, onde o gás é produzido, precisa ser processado, e se espera que o mercado de gás natural tenha comercializadores para ter mais liquidez, mais volume. Então, a hipótese ali de neutralização do efeito do Imposto Seletivo acaba sendo algo que na prática não é muito coerente com a indústria de gás.

RG: A gente tem acompanhado a preocupação dos participantes de mercado com os efeitos do Imposto Seletivo. Muitos argumentam que, quando falamos de petróleo, gás e mineração, estamos falando de setores importantes para o país em termos energéticos e econômicos, podendo acarretar custos mais altos para os consumidores de combustíveis e energia e onerar exportações. Especificamente no setor de gás natural, alguns participantes se preocupam também com o impacto que o Imposto Seletivo pode ter no biometano, que é uma alternativa verde ao gás fóssil. Existe a possibilidade de que o Imposto Seletivo incida indiretamente no biometano, já que ambos compartilham infraestrutura e tecnologia em diversos pontos da cadeia?

DMT: Olha, Rebeca, eu pessoalmente não vejo muito espaço para incidir imposto seletivo no biometano. Primeiro porque não é propriamente um bem natural, é orgânico, então estaria já naturalmente fora do âmbito de incidência, seja por essa característica, seja um aspecto mais amplo mesmo, por ser um biocombustível. É justamente o contrário, o biometano tem que ser incentivado. Como o imposto seletivo está incidindo uma única vez, no início cadeia -- e por isso se chama é um regime monofásico --, eu entendo que eventual compartilhamento com esses pontos de aproximação do biometano com a indústria do gás, o uso de algumas infraestruturas, como transporte, não deveriam gerar impacto ou resíduos para o biometano em si. O transporte de gás, por exemplo, não está sujeito ao Imposto Seletivo, a distribuição também não. O imposto seletivo incide no comecinho da cadeia, ali na primeira comercialização, e na importação, quando é GNL. Então, eu não vejo um impacto direto ao biometano. Ainda bem, né, porque seria o cúmulo do absurdo. Já é absurdo ter o Imposto Seletivo no gás natural, tendo biometano seria ainda mais estranho.

RG: Falando agora sobre o setor de combustíveis, ele serviu um pouco como cobaia para a reforma tributária, com a instauração da monofasia tributária e a harmonização do ICMS sobre diesel, biodiesel e gasolina. Qual é o balanço deste teste para você, considerando os dois anos que se passaram e também alguns tropeços que aconteceram, como o regime especial dado pelo estado do Amapá para importação de combustíveis no início do ano?

DMT: Olha, aqui eu acho que tem dois pontos que a gente tem que falar, tá, Rebecca? Quando a gente pensa aqui no diesel, biodiesel, gasolina, o etanol anidro, que já estão no monofásico do ICMS, eu acho que a operação geral foi mais positiva do que negativa, especialmente na perspectiva de redução às fraudes, eventual simplificação no sistema. O modelo anterior de substituição tributária era muito complicado, especialmente quando se tinham sucessivas operações interestaduais, geravam alguns resíduos, algumas coisas que não faziam muito sentido. Eram ineficiências tributárias naturais do regime. No monofásico do ICMS, boa parte desses problemas acabaram sendo resolvidos, mas surgiram outros. Não dá para falar que também foi algo perfeito. Eu acho que o principal ponto negativo que o monofásico atual do ICMS trouxe, que está judicializado e aguarda uma decisão, diz respeito à limitação do direito de crédito pelos agentes, porque o Convênio 15 e o Convênio 199 estabeleceram uma regra totalmente inconstitucional, na minha avaliação, de que quem, como um sujeito passivo, que tem que recolher o ICMS monofásico, não pode apurar crédito de absolutamente nada. Então gera uma cumulatividade totalmente contrária aos princípios do ICMS. Então eu vejo que na perspectiva de ter sido uma cobaia, tiveram acertos e erros. Hoje esse monofásico está limitado a alguns combustíveis, basicamente diesel, biodiesel, gasolina e etanol anidro, o gás liquefeito de petróleo, gás liquefeito derivado de gás natural. No Projeto de Lei Complementar 68, que regulamenta a reforma, se deu uma turbinada nesse modelo monofásico, porque não só compreenderam esses mesmos produtos que já estão sujeitos, como também incluíram o gás natural processado, biometano, querosene de aviação, enfim, até o etanol hidratado -- existe uma certa polêmica sobre o etanol hidratado estar na monofásia ou não. O Projeto de Lei Complementar 68 ampliou a possibilidade do monofásico, algo que enfim, acho que nem todo mundo da indústria concorda. Existem vozes dissonantes e tem argumentos bons para ambos os dados, tanto para estar quanto para não estar, mas pelo menos corrigiu um dos principais problemas que existem hoje no monofásico do ICMS, que é essa limitação do crédito. Me parece aqui que o texto aprovado pela Câmara, mesmo o texto que já havia sido proposto pelo Poder Executivo -- e isso já dá para interpretar um pouco pela emenda constitucional,-- é um texto que me parece que já assegura ao produtor, a refinaria, que vai pagar CBS e IBS monofásicos, o direito de consumir os créditos dos insumos para a produção da gasolina, do diesel, etc. Eu acho que isso foi um lado bem positivo, mas ainda tinham alguns pontos que precisam ser melhorados. Exemplo: existe um problema grande no setor do biodiesel, com essa monofasia nova. A monofasia atual do ICMS, tem um mecanismo que viabiliza que as usinas produtoras do biodiesel possam utilizar os incentivos fiscais que já haviam sido concedidos pela CBS-IBS, que são basilares para manter o negócio funcionando e o economics dos projetos corretos, tal como tinham sido projetados. O Projeto de Lei Complementar 68 tirou totalmente a sujeição passiva, ou seja, a obrigação de pagar o imposto dessas usinas produtoras de biodiesel, e ao fazer isso, viabiliza totalmente que essas usinas usem o benefício fiscal delas. E isso faz com que a lógica econômica que norteou e que sustentou os investimentos nesses projetos acabe sendo prejudicada. Até teve um movimento da Abiove tentando esclarecer isso, mostrar esse efeito, mas não foi acolhido aqui nessa primeira etapa na Câmara, espera-se que o assunto também seja levado para discussão no Senado. Então, tudo isso para te dizer, existirão novos capítulos, novas discussões sobre essa monofasia à luz do Projeto de Lei Complementar 68, dado que incluiu vários outros combustíveis que não estão hoje.O benchmark não serve perfeitamente, e na minha opinião particular aqui, a própria redação posta no Projeto de Lei Complementar não está muito clara sobre como vai funcionar para alguns combustíveis. Por exemplo, o gás natural: existe a referência que o que está sujeito ao regime monofásico é o gás natural processado, mas e se eu tenho um campo onshore, que o gás natural que não precisa passar pelo processamento, já especificado pela sua natureza? Existem campos onshore cujo gás natural não precisa de processamento, e aí ele está dentro desse regime? Se ele estiver fora, como é que vai ficar a competitividade? Porque vai ter uma diferença tributária entre um e outro, quando se pensa num gás natural que está em outro estado ali, liquefeito, comprimido, e ele passa por esses processos no meio da cadeia, vai reiniciar o processo de monofasia ou não? Ou vai recolher no começo, quando é uma importação de GNL, vai pagar no desembaraço, não vai pagar na saída? Então, existem alguns pontos aqui que quando se tenta tangibilizar e aplicar na prática surgem dúvidas, e deveria ser aperfeiçoado esse texto para trazer mais clareza e uniformidade a esse regime.

RG: A Associação Brasileira da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica) expressou preocupação de que os créditos de descarbonização, os Cbios, possam ser submetidos à oneração padrão do Imposto de Valor Agregado (IVA), se não for mantida a regra de desoneração de hoje. No texto que foi aprovado na Câmara, o que temos de fato sobre a tributação dos Cbios? E o que está pendente para discussões futuras?

DMT: Olha, Rebeca, o texto do Projeto de Lei Complementar acabou passando batido, até onde vi aqui, pensando no projeto original. A aprovação na Câmara foi ontem à noite aqui, considerando que a gente está gravando em 11 de julho, nem tem o texto final muito bem consolidado. Pelo que se vê aqui e pelo que eu acompanhei do debate, simplesmente não houve uma tratativa específica sobre os Cbios. A Unica não gostaria disso, porque, de fato, vai aumentar o custo dos Cbios, já que a carga tributária aplicada ao Cbios vai ser a mesma que para qualquer outro produto, inclusive produtos que não são verdes, produtos fósseis, produtos que não deveriam ser propriamente incentivados. Então, o que se tem é que, pelo texto aprovado na Câmara, vai estar sujeito à carga tributária regular, como se fosse um bem, serviço ou direito qualquer, qualquer tipo de redução. A ideia do governo era que a carga tributária total, considerando o CBS e o IBS, ficasse ali por volta de 26,5pc, mas já há declarações de que esse percentual deve aumentar por conta de alguns itens que entraram nas hipóteses de redução. Então, o que se tem é que hoje os Cbios vão ter um aumento de carga tributária significativo, e esse assunto deve ser discutido no Senado, até para dar um tratamento mais apropriado. A forma pela qual a Emenda Constitucional 132, que foi a emenda que aprovou a reforma tributária, desenhou o sistema, não deixa tanto espaço. Já tem um aspecto aqui importante para se levar em consideração, sob uma perspectiva exclusivamente jurídica, tudo que se discute aqui na lei complementar hoje, tem que se submeter a Emenda Constitucional. Então, o espaço não é muito grande, mas é possível pensar em mecanismos, ou até em outros instrumentos financeiros, com vistas a fomentar e reduzir um pouco esse custo, que de fato vai elevar nas transações envolvendo os Cbios, o que também é um contrassenso.

RG: A Unica também havia se manifestado pedindo um teto de 30pc para a diferença de alíquota entre o etanol hidratado e a gasolina comum. Esse pleito foi atendido?

DMT: Não, Rebeca, não foi atendido. Era uma alteração proposta no artigo 170 do Projeto de Lei Complementar. O artigo 170 já prevê uma diferenciação aos biocombustíveis, ao etanol anidro, mas não foi alterada a redação. Permanece atual que tem que ser feita uma conta super complicada para entender quais são os efeitos tributários diretos e indiretos entre os fósseis, os biocombustíveis, para estabelecer uma paridade, uma diferenciação entre eles, que respeite mais ou menos uma ordem, uma lógica. A ideia da Unica ali, a proposta apresentada, era de já fixar um teto, isso poderia ser interessante até para dar mais previsibilidade sobre qual seria essa diferenciação. Essa diferenciação, na verdade, não é nem nova, ela veio no texto da Emenda Constitucional 132, que é a da reforma tributária, mas ela já tinha sido concebida originalmente na Emenda Constitucional 123, em 2022, já se tinha uma ideia de fato distinguir o biocombustível e aí, obviamente, o etanol hidratado dos fósseis equivalentes, mas esse pleito da Unica não foi conduzido na Câmara, certamente ele vai ser objeto de novo debate no Senado. Enfim, vamos ver como isso será conduzido lá.

RG: Diogo, o texto vai agora a votação no Senado e pode passar por novas mudanças por lá. Como você avalia que será essa nova rodada? Ainda é possível que vejamos mudanças significativas nos assuntos que exploramos hoje?

DMT: Eu acho que sim, Rebecca. Eu acho que vai ter mudança no Senado, sim. Obviamente, a gente espera que mudanças que sejam racionais e coerentes para dar os incentivos corretos para o investidor. Por exemplo, o ideal seria zerar o Imposto Seletivo. Acho que já foi uma vitória, uma redução ali de 1pc para 0,25pc, mas ainda assim não faz nenhum sentido tributar a exportação, não faz nenhum sentido tributar o óleo, o gás e os minérios. Então, eu imagino que essa discussão ainda avançará no Senado, lembrando que foi o Senado que trouxe a imposição do imposto seletivo sobre esses bens, pode ter uma discussão bastante relevante sobre isso. Como eu mencionei, me parece que seria apropriado aperfeiçoar um pouco essa linguagem do regime monofásico para alguns combustíveis, especialmente o gás natural, porque realmente está uma previsão um pouco estranha ali, que vai trazer dúvidas sobre a sua aplicação, sobre o âmbito de incidência, sobre o impacto, trazendo eventualmente até efeitos tributários distintos para o gás natural a depender da sua forma ali de seu estado físico, se liquefeito, se comprimido, se gasoso no gasoduto de transporte. Até voltando um pouquinho no ponto do Seletivo, a redução a zero do gás natural para consumo industrial, devia ser melhorada e pelo menos prever cadeia, porque o gás natural é uma indústria de rede, não é algo curto, que o extrator vende para o consumidor final, vende para uma indústria. A indústria do gás natural não é assim, então aparentemente quem escreveu aquele texto não conhece muito bem como é a dinâmica dos agentes da cadeia, como cada um se relaciona e como cada um tem a sua importância. Eu vejo ainda no monofásico espaço para aperfeiçoamento com relação ao biodiesel que eu comentei antes, acho que seria necessário copiar um pouquinho o que foi feito para o monofásico do ICMS para que se viabilize, enfim, que os regimes sejam respeitados, mantidos. Eu acho que, lembrando que a gente está falando um biocombustível, é algo que tem que ser, inclusive, incentivado. E existem outros pontos não menos relevantes. Tem um aspecto que eu sinto que não está tendo a discussão profunda e necessária que deveria ter, em respeito à simplificação das obrigações acessórias, notadamente no setor do gás natural. Quem trabalha no setor de gás natural, especialmente para fins tributários, vê a confusão, que é aquela loucura: nota fiscal, quem opera o ajuste CNF-3 de 2018 do transporte, o ajuste CNF-1 de 2021 do processamento, fica maluco com aqueles documentos fiscais, nota fiscal sem destaque do imposto, com valor simbólico de um centavo. Até hoje, o sistema de informação foi colocado de pé, planilha de Excel, um dependendo da informação do outro, dados cruzados nas notas... Tem que ter uma cadência, se uma nota está errada, todas as outras estão erradas. Hoje quem trabalha no gás natural, as empresas são heroínas, porque é impossível, é muito disfuncional o modelo de obrigações acessórias, e precisava ter uma simplificação com relação a isso. Parte dessa simplificação, e parte da própria base para o desenvolvimento da indústria do gás natural, da constituição efetiva de um hub virtual de negociação, do ponto virtual de negociação, é ter a verdadeira desvinculação do transporte das capacidades de entrada e de saída. Quando a Nova Lei do Gás trouxe ali o modelo de entradas e saídas -- que é um modelo que faz todo o sentido, que pode trazer liquidez, aumentar a eficiência. A capacidade de transporte permitindo contratações independentes da entrada e da saída, para fins regulatórios funciona e os contratos refletem isso, mas para fins tributários, a legislação tributária não permite. A legislação tributária atual continua tentando vincular onde começou e onde terminou o transporte, ainda que as contratações sejam independentes. Essa obrigação de vincular os dois pontos, faz com que a indústria e o mercado não se desenvolvam. Uma comercializadora tem muita dificuldade de gerir portfólio, de fazer contratos com isso; os próprios produtores, consumidores livres... Isso claramente é uma âncora do direito tributário atrapalhando o desenvolvimento da indústria do gás natural, e aqui, e hoje, a gente tem uma complexidade real de desvincular, porque isso deriva da Constituição Federal mesmo, tem que ver os jurídicos grandes, com a reforma tributária e a possibilidade, dada em complementar, disciplinar o conceito de destino, que é vital no contexto da reforma tributária, a gente tem uma oportunidade, Rebecca, de regulamentar melhor essa questão e efetivamente desvincular as capacidades de entrada e as capacidades de saída e de transporte. Se isso for feito, eu não tenho dúvida que, por si só, já vai reduzir uma série de assimetrias tributárias que existem hoje, que são custo. No final das contas, tudo que é assimetria ou risco é custo, vira preço, é precificado e agrega ao preço da molécula do gás. Isso vai viabilizar a criação efetiva de um manual de negociação, e com isso o ingresso e as transações mais líquidas, mais fluidas do gás, o que tende a aumentar competição e reduzir preço, e principalmente simplificar as obrigações assessórias, porque não seria necessário ficar cruzando documentos, informações, que traz muita complexidade. Esse é um ponto da regulamentação: o conceito do destino de uma forma apropriada para o setor do gás natural, com esse olhar para o modelo de entradas e saídas. É algo transversal a todos os agentes da cadeia: isso beneficiaria o produtor, o comercializador, a transportadora, a distribuidora, o consumidor livre, todo mundo que é carregador ou transportador, certamente se beneficiaria dessa efetiva desvinculação. E não a desvinculação de conta, que é um pouco o que a gente tem hoje. Há uma desvinculação para fins regulatórios, legais, mas não há uma desvinculação para fins tributários, e fica esse mundo paralelo. Eu espero que no segundo semestre, quando esse assunto for abordado no Senado, que essa questão também seja posta com a importância devida. A indústria toda só tem a ganhar com isso.

RG: Diogo, muito obrigada pela sua participação neste episódio, com as suas explicações fica muito mais fácil entender o significado e os impactos da reforma tributária nos setores que a Argus acompanha.

DMT: Perfeito, Rebecca, eu que agradeço aqui o convite, nós do Machado Meyer estamos acompanhando muito de perto todo esse movimento, especialmente para o setor de combustíveis como um todo, gás principalmente, mas não só gás, e a gente fica à disposição da Argos, dos ouvintes, da audiência, para a gente conversar, contribuir, e continuem acompanhando os nossos materiais, e a gente vai continuar consumindo o excelente conteúdo da Argos, para a gente se manter informado e saber para onde as coisas vão. Muito obrigado.

RG: E a Argus vai continuar aqui, trazendo os principais desenvolvimentos sobre a reforma tributária e seus impactos no mercado. Esse e os demais episódios do nosso podcast em português estão disponíveis no site da Argus em www.argusmedia.com/falando-de-mercado. Visite a página para seguir acompanhando os acontecimentos que pautam os mercados globais de commodities e entender seus desdobramentos no Brasil e na América Latina. Voltaremos em breve com mais uma edição do “Falando de Mercado”. Até logo!