Falando de Mercado: Oferta e demanda por ureia automotiva no mercado brasileiro

O prêmio entre a ureia grau automotivo e o nitrogenado grau fertilizante segue aumentando, reduzindo a busca pelo grau correto para a produção de Arla 32, em um mercado marcado pela baixa disponibilidade internacional.

Junte-se a repórter do relatório Argus Brasil Grãos e Fertilizantes, Gisele Augusto e a editora do relatório Argus Brasil Grãos e Fertilizantes, Renata Cardarelli. Elas conversam sobre o cenário do mercado brasileiro de ureia automotiva em meio aos desafios logísticos e ao uso da matéria-prima.

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RC: Olá e bem-vindos ao "Falando de mercado" - uma série de podcasts apresentados pela Argus sobre os acontecimentos que impactam as commodities e o setor de energia no Brasil e no mundo. Meu nome é Renata Cardarelli, editora da publicação Argus Brasil Grãos e Fertilizantes. No episódio de hoje, a repórter da publicação Argus Brasil Grãos e Fertilizantes Gisele Augusto traz informações sobre o cenário da ureia grau automotivo no Brasil e os fundamentos desse mercado. Olá Gisele, seja bem-vinda.

GA: Oi, Renata. É um prazer estar aqui.

RC: Gisele, a ureia automotiva apresenta alguma diferença de preço em relação à ureia utilizada como fertilizante?

GA: A ureia grau automotivo costuma ter um prêmio em relação à ureia de uso agrícola, utilizada como fertilizante. No fim de agosto, esse prêmio atingiu $186/t. Esse tipo de ureia é utilizado para a produção de Arla 32, que é um agente redutor líquido automotivo usado em veículos movidos a diesel para reduzir as emissões de poluentes. Essa diferença no preço é um dos maiores desafios do consumo da ureia automotiva, muitos compradores, comparando os preços de ambas, acabam por adquirir o fertilizante, que não é recomendado para uso automotivo devido às especificações químicas e que tende a ser mais poluente.

RC: Qual o consumo de ureia automotiva do Brasil hoje?

GA: Renata, a Argus estima uma demanda de quase 390 mil toneladas de ureia automotiva em 2024, um aumento de 11pc comparado a 2023. No entanto, essa variação não é necessariamente positiva, uma vez que é necessário considerar o aumento de mais de 10pc registrado nas vendas de veículos pesados, que seriam os principais consumidores de Arla 32, elevando a demanda por matéria-prima. Participantes de mercado apontam para um aumento no uso de dispositivos ilegais que burlam o uso de Arla nos veículos. Esses dispositivos devem reduzir o consumo de Arla na América Latina em 25pc neste ano, limitando o crescimento do mercado de ureia automotiva.

RC: Além do uso desses dispositivos, existe alguma outra maneira de o mercado brasileiro fraudar a produção de Arla e consumir menos ureia automotiva?

GA: Sim. Existem produtores de Arla que importam alguns volumes de ureia automotiva para poder fazer mistura com a ureia agrícola, reduzindo o custo da produção, mas garantindo algum percentual de produto dentro das especificações necessárias. Por exemplo, é possível, pensando apenas no teor de biureto, um dos componentes da ureia automotiva, misturar uma ureia agrícola com um teor mais alto de biureto com a automotiva com menor porcentagem de biureto, assim, quando a mistura for dividida para a produção, a média do biureto fica dentro do máximo de 0,8pc estabelecido pela norma ISO.

CD: Qual a especificação necessária da ureia automotiva para a produção do Arla?

GA: Então, Renata, há diversos pontos, mas o mais importante quando falamos de ureia automotiva é a quantidade de biureto por massa molecular e aldeídos. A ureia para produção de Arla não pode ter mais do que 0,8pc de biureto por massa molecular e 5 miligramas de aldeído por quilograma de ureia. Essas especificações são importantes para que o Arla tenha a sua função atendida, ou seja, reduza os poluentes e não prejudique o motor e outras partes dos veículos por acúmulo de impurezas.

CD: Gisele, essa diferença de preços que você citou é influenciada por quais fundamentos?

GA: Além das usuais questões relacionadas a fluxos globais de oferta e demanda, o frete marítimo é um fator muito importante nesse mercado. Normalmente, a ureia automotiva é enviada para o Brasil em contêineres refrigerados de 40 pés, diferente dos embarques de navios graneleiros que usuais no mundo da agricultura. A ureia automotiva não necessita de refrigeração, porém este tipo de contêiner é utilizado para poder ser reaproveitado na viagem de volta, podendo carregar carnes, por exemplo. Destaco que, em um cenário sem restrição de oferta, a China está entre os principais fornecedores de ureia automotiva para o Brasil e, claro, é um importante mercado consumidor das commodities brasileiras. O frete de contêiner varia de maneira diferente do navio graneleiro, especialmente neste ano. Com o aumento da participação de veículos elétricos chineses nos mercados globais, as empresas fabricantes elevaram o envio de peças para reparos e substituições para regiões como as Américas. Isso gerou uma escassez de contêineres na China, para o transporte de ureia automotiva, com montadoras aceitando preços mais altos de frete, uma vez que o preço das cargas da indústria automobilística também é bem mais alto do que o para transporte de ureia. No início de março, o frete do contêiner estava em torno de $65/tonelada. No segundo trimestre, esse valor atingiu cerca de $445/t.

CD: Nossa, um aumento bem expressivo nos fretes da China. E que outros fundamentos estão envolvidos no prêmio do preço de ureia automotiva?

GA: Bom, outro fator que impactou a oferta para o Brasil também está relacionado ao país asiático e foi a suspensão das exportações de ureia da China. Como uma das principais fornecedoras para o Brasil, a restrição da oferta chinesa fez com que compradores tivessem que se voltar para outros mercados já usuais para o Brasil e buscassem por novos parceiros. Cargas da Rússia, comuns no mercado brasileiro, seguiram sendo ofertadas, mas em volumes mais baixos, sem grandes disponibilidades no mercado spot e com fornecedores concentrados em cumprir contratos previamente acordados. Também começamos a acompanhar um aumento no número de cargas egípcias ofertadas ao Brasil. Essa não era uma origem tradicional, mas se tornou uma alternativa para importadores. No entanto, as constantes restrições no fornecimento de gás na região e paralisações de unidades produtoras de ureia fizeram com que a disponibilidade dessa origem também ficasse limitada. A Arábia Saudita também fornece ureia para o Brasil, normalmente a preços mais altos do que as demais origens devido à qualidade superior, uma vez que é uma ureia que costuma apresentar um percentual de biureto abaixo do máximo estabelecido pelas normas e menor do que os demais fornecedores. Por último, mais recentemente, começamos a ouvir ofertas de cargas vindas do Uzbequistão para o Brasil.

RC: Parece que este mercado ainda tem muitos desafios pela frente tanto na educação do uso no Brasil quanto pensando em disponibilidade global. Obrigada, Gisele. Este e outros episódios do nosso podcast estão disponíveis no site da Argus em www.argusmedia.com. Acesse a página para acompanhar os acontecimentos que afetam os mercados globais de commodities e entender seus desdobramentos no Brasil e na América Latina. Em breve voltaremos com mais uma edição do "Falando de Mercado". Até breve!